Archive by Author | Bruna Pretzel

Sobre a politização do suicídio de Aaron Swartz

[Editado em 22/01/2013 às 10h21.]

Um hacktivista brilhante morreu há dez dias, lamenta a internet. Ou a parte mais progressista dela. Por que isso tinha que acontecer, justo agora que estamos num momento crucial para a discussão da liberdade na rede? Por que ele nos deixou?

Mas, diz-se, o luto é importante para que não esqueçamos nossa causa. Sua memória ajuda a continuar essa luta contra as investidas burocráticas de quem não dá o devido valor ao conhecimento livre. Sabemos que Swartz tirou a própria vida porque sofria enorme pressão do Big Brother estadunidense. Sabemos?

Este não é um ensaio sobre Aaron Swartz. Pelo menos não sobre os feitos do prodígio nerd; sobre isso há muita informação em outros sítios. Quero falar sobre suicídio e sobre nossa percepção coletiva dele.

Você não está sozinho.

Quero falar primeiro de uma experiência pessoal com a morte. Obviamente não considero minhas impressões como universalmente válidas, mas elas são um ponto de partida e não uma conclusão. Há quase uma década, uma pessoa muito próxima de mim – assim como Swartz, nascida em 1986 – morreu. Eu nunca soube se houvera sido suicídio. Se as investigações concluíram nesse ou em outro sentido, a informação não chegou até mim, por razões irrelevantes para este ensaio.

Houve quem quisesse acreditar no suicídio, porque a alternativa – homicídio por parte de membro da família – era horrenda demais para ser suportada por nossas mentes jovens e desconcertadas. Eu, por outro lado, não aceitava essa versão da história, porque gostaria de acreditar que a pessoa estava feliz antes de morrer. Queria encontrar outro culpado; aliás, tinha certeza de que o culpado era outro. No final da história, ninguém concluiu nada (ou, novamente, ninguém me disse nada); o que sobrou foi só o sofrimento puro, sem resposta nem justificativa.

Nós, humanos, não somos bons nessa história de sofrer sem algo que justifique, ou de presenciar a dor alheia sem encontrar uma desculpa. Daí a necessidade de lastrear a dor num bem maior e de criar mártires que são meros personagens de uma grande narrativa política ou ética. Dito isso, é preciso esclarecer, primeiro, que não gosto muito das teorias conspiratórias que duvidam da hipótese do suicídio de Swartz e imaginam que tudo seja encenação. Não é lá muito plausível que ele tenha sido morto, se estava no caminho quase certo para o encarceramento; a morte cria na imaginação coletiva um mártir e isso é estrategicamente desastroso para os opositores da internet livre.

Por outro lado, há também quem diga que o suicídio ocorreu, mas que foi politicamente motivado, o último protesto de uma mente genial e solitária. Ou, voltando à hipótese mais em voga e sustentada pela família e pela namorada de Swartz, supõe-se que esse ato “político” tenha sido na verdade um ato de descrença na política: a última cena do drama psicológico gerado por um processo judicial irrazoável. E, no entanto, nenhuma dessas versões me parece convincente. A pergunta que permanece é: por quê?

Por que uma pessoa “qualquer” se suicida? É preciso começar por esse ponto. A vontade de viver é algo muito forte em qualquer ser humano. Mesmo em estados depressivos, é preciso transpor a barreira do instinto de sobrevivência para aceitar a ideia de tirar a própria vida. Ou seja, nem toda pessoa que chega ao ponto – já no fundo do poço – de ter pensamentos suicidas concretiza essa ideia (e aí falo também por experiência própria). O suicídio pressupõe não só as ferramentas necessárias, mas principalmente um estado mental muito grave, caracterizado pelo total vazio de sentido. É fácil morrer, mas é difícil matar-se.

Dizer que a depressão é a causa do suicídio de Swartz não é uma simplificação, ao contrário do que argumenta Eliane Brum. Podemos pensar em exemplos de perseguidos políticos que enxergam na perseguição aquilo que, justamente, lhes dá sentido à vida: é um tipo de racionalização que os protege do sofrimento, de modo que a perseguição não necessariamente acarreta o pensamento suicida. Não estou dizendo, é óbvio, que essa poderia ou deveria ter sido a solução adotada por Swartz (ele claramente não tinha estrutura psicológica para tanto), nem que a perseguição política era justificada.

O argumento é que, se queremos fazer jus à memória do ativista, devemos ter todo o cuidado do mundo com a palavra causa. Causa é algo que não pode ser retirado de uma cadeia de eventos sem que o efeito também desapareça. Se Aaron Swartz não tivesse sido processado, ainda assim não haveria garantia de que ele não se suicidaria. Vide tantos outros exemplos de personalidades brilhantes que se mataram “sem motivo algum” – na verdade, com diversos motivos, mas considerados desimportantes para a esfera pública e por isso ignorados. Sim, é certo que o processo judicial potencializou o estresse e o sofrimento do garoto. Se, porém, o estado depressivo não existisse ou se Swartz tivesse uma rede de apoio emocional mais efetiva, é muito provável que ainda estivesse vivo e “dando um exemplo de perseverança em prol da causa”, no tom das narrativas epopeicas contemporâneas.

Quando consideramos a depressão como uma explicação “simplificada” do suicídio, é como se a esfera individual e a esfera sócio-política fossem excludentes; é como se levar a sério a depressão implicasse desconsiderar o infeliz contexto em que Swartz foi envolvido. No entanto, é plenamente possível reconhecer no caso um estado depressivo e ainda assim lamentar o ímpeto persecutório dos burocratas norte-americanos (weberianamente mais políticos que burocratas). Enfrentar ou negligenciar o problema da depressão é também uma questão de posicionamento político. Apenas apontar o dedo para procuradores e juízes significa eleger a explicação que mais salta aos olhos, mas a explicação mais evidente não necessariamente é a melhor explicação. Já a depressão não é evidente: ela tem causas muitas vezes desconhecidas e soluções bastante trabalhosas, de modo que a resposta mais fácil é encontrar um culpado externo ao suicida, sob a desculpa de que se busca inserir a fatalidade “num contexto mais amplo” – sendo que o contexto mais amplo é sempre o “político” e nunca o pessoal. Esquece-se de que o pessoal também pode ser político e não apenas no sentido estrito que se costuma dar.

Essa trivialização do suicídio evidencia uma ordem de prioridades que dá primazia – consciente ou inconscientemente – à luta do momento, transformando uma tragédia multifacetada em algo unidimensional, instrumentalizando a figura do falecido em prol da narrativa eleita. Por que Aaron Swartz se suicidou? A resposta certa é que não sabemos. É uma conjunção de fatores – individuais e sociais – complexa demais para ser totalmente desvendada por quem não estava no lugar dele. Mas encaixamos nesse vácuo de sentido, quiçá, a posição política que gostaríamos de ter defendido com mais afinco antes de saber da morte do jovem. Da mesma forma, o trauma faz com que as pessoas próximas a ele, num instinto de autopreservação, também procurem um terceiro culpado, antes de investigar as causas profundas do ocorrido e de examinar sua própria parcela de culpa.

A diferença é que as pessoas traumatizadas têm cem anos de perdão por essa fuga. Já nós não temos desculpa. Se o destino das tragédias é a politização – como ocorreu com o recente homicídio em massa na escola de Newtown ou com o suicídio da estagiária de Direito em São Paulo que afirmou ter sido estuprada -, que seja num sentido mais respeitoso à memória e individualidade dos envolvidos. Talvez no sentido de buscar entender como nossa sociedade como um todo – e não apenas uma pequena parcela, como o sistema judicial – contribui para e permite que o suicídio ocorra. Podemos, talvez, falar sobre redes de apoio e sobre a solidão de pessoas que fogem dos padrões, mesmo aquelas que se tornam famosas após terem abraçado uma causa política. Nada disso impede que critiquemos práticas judiciais e legislativas, mas não pode ser esquecido.

É curioso que o destaque a cada tragédia seja diretamente proporcional à vontade de trazer à esfera pública uma questão política subjacente, de modo que a morte se torna mais um álibi para o protesto do que uma questão autônoma a ser resolvida. A politização em si não é o problema, mas ela carrega um grande risco de simplificação, que é tanto mais sedutora quanto mais convincente for o discurso político. Dizer que a morte é uma questão autônoma não implica ignorar os múltiplos fatores que a geram: significa reconhecer que ela é grave demais para tentativas apressadas de explicação.

Até que a morte nos separe (da razão)

Minha amiga Lúcia é uma liberal. Certa noite, quando tomávamos vinho e conversávamos sobre questões filosóficas como o charme de Robert Downey Jr. e a vida após o amor, ela me disse que defendia o direito das pessoas à morte, caso assim escolhessem. E aí seguiu uma discussão sobre suicídio, eutanásia e fechamento de perfis de Facebook.

A tia de Lúcia tinha uma doença degenerativa e havia assinado um documento dizendo que, quando a doença lhe tirasse a capacidade de locomoção e comunicação, os médicos não deveriam adotar procedimentos para prolongar sua vida. Ele pedia, assim, a chamada ortotanásia: o “deixar morrer”.

Alguns meses depois daquela noite, a tia de Lúcia entrou em estado vegetativo. Os parentes mais próximos não autorizaram que a equipe médica realizasse a ortotanásia e Lúcia, com dor no coração e solidariedade à família, não protestou.

A história da minha amiga imaginária serve para ilustrar como questões de saúde, vida e morte muitas vezes causam um terremoto em nosso solo ético, fazendo com que o medo se sobreponha à razão e envolvendo a dita mente liberal num manto de conservadorismo, que nada mais é que um inevitável instinto de preservação. Somos liberais até que a morte bata à porta.

As dificuldades causadas por esse terremoto ético são, porém, grandes demais para serem deixadas de lado através de discursos fáceis que zombam da racionalidade humana. Pressupondo que a autopreservação é uma necessidade humana, pergunto: é aceitável deixar que nossas emoções, especialmente o medo, guiem decisões éticas importantes? Ou é necessário encontrar uma droga – metafórica ou literal – que ajude a mitigar a síndrome de Regina Duarte?

Drogas são um objeto paradigmático dessa discussão. Alguns liberais, acostumados com o sagrado cálice diário de vinho tinto (não de sangue, decerto – desgraça é coisa de quem tem medo) e com doses saudáveis de erva comprada no melhor coffee shop de Amsterdã, argumentam que a saúde do indivíduo não é da conta de mais ninguém: qualquer iniciativa paternalista de ordenar a uma pessoa que não use drogas é eticamente inaceitável. Até que, um dia, os filhos dos nossos queridos cannabis connoisseurs chegam à idade adulta e morrem de overdose de qualquer coisa ou têm suas vidas arruinadas pelo alcoolismo. Nesse momento, a crítica ao paternalismo parece perder todo o sentido.

Por que, afinal, aparece esse instinto paternalista? A palavra nos remete à figura romântica dos pais, cujas vidas, diz a lenda, são guiadas pelo altruísmo em prol do melhor para os filhos. O paternalista (seu pai, o Estado, o Papa, o partido político ao qual você pertence) presume que você não tem discernimento para saber o que é melhor para si próprio e, por isso, assume a missão de lhe ensinar o que deve ser feito com sua saúde, sua vida, seu corpo. A crítica feita ao paternalismo pelos liberais volta-se principalmente contra a presunção de inexistência da autonomia alheia. Uma vez que a autonomia do indivíduo é sagrada para os liberais, a postura paternalista – dizer ao outro como ele deve conduzir a própria vida – é errada porque parte de uma premissa inadmissível.

Mas talvez haja outra razão para criticar essa postura protetora – ou apenas compreendê-la. Lúcia não tinha a intenção de negar a autonomia de sua tia: ela quis apenas preservar alguém da dor. É mais provável que esse alguém seja ela mesma, ou outra pessoa da família, do que a tia em estado vegetativo; o certo é que de alguma forma o medo da morte falou mais alto. Talvez seja esse o motivo pelo qual o paternalismo é tão pernicioso: se o medo vem de um instinto primitivo, e instintos primitivos são naturalmente egoístas, o desejo de proteger o destino do outro tem na verdade uma base egoísta, ao contrário do que nos ensinam os contos de fadas sobre a paternidade, a fraternidade e a amizade. O medo da tragédia impede o exercício da razão – e é possível esperar que seja de outro jeito?

Não parece haver dilema ético mais difícil do que esse. Não se deve subestimar o componente do medo nas decisões desse tipo de dilema: se, por um lado, queremos proporcionar a melhor vida possível ao outro e isso pressupõe liberdade, julgar a vida alheia com base em instintos de autopreservação não parece ser o melhor caminho. Por outro lado, deixar que o outro siga um caminho autodestrutivo pode ser mais altruísta do que qualquer ser humano seja capaz de suportar. Talvez não tenhamos sido feitos para garantir liberdade aos semelhantes; talvez seja a hora de reconhecer isso e pensar em maneiras de minimizar o império do medo.

Problemas de gente rica

A última polêmica das redes sociais brasileiras envolve uma certa coluna de fofocas que quis mostrar a toda a sociedade (a que lê jornal, pelo menos) como a high society paulistana vive numa bolha, surpresa pela crescente violência que a cerca, sem se preocupar em adquirir visão de conjunto e entender os motivos desse problema. Já adianto que não considero essa constatação nenhuma quebra de paradigmas nem de expectativas. Só que há uma diferença emocional entre criar uma imagem da elite a partir de rumores e ver essa imagem concretizada em entrevistas e declarações não-satíricas. Quando o estereótipo e o real se confundem, as pessoas se assustam e isso cria um desconforto. Compreensível.

O problema começa quando se tenta misturar esse desconforto com tentativas de diagnóstico e propostas políticas a respeito da desigualdade social, da violência e das mazelas da nossa sociedade em geral. Como, por exemplo, dizer que a elite tem alguma espécie de responsabilidade quanto à escalada da violência e quanto à injustiça social na grande cidade; em outras palavras, que ela precisa se tornar “menos idiota” se quiser ver esses problemas resolvidos.

“Ai, que loucura, gente! Agora querem me dar conselho para não ser assaltada! Imagina, para mim, com toda essa experiência de high society!”

Esse tipo de proposta se encaixa bem num gênero de pseudoargumento chamado “implorar pela pergunta” (desculpem-me pela tradução ruim, anglófonos: podem ficar com seu begging the question). O que se quer dizer quando se fala em “responsabilidade”? A elite tem responsabilidade exatamente pelo quê? Para qual finalidade ela tem que se comportar de um jeito menos “idiota” ou alienado? Isso é um problema de verdade ou um arenque vermelho?

Se se postula que a elite tem responsabilidade quanto aos assaltos e à violência, ou isso é uma forma de culpar a vítima pelo crime (e daí o argumento é simplesmente ruim, como o Wagner Artur demonstrou aqui), ou se trata de um mero conselho: ei, pessoal, vocês têm que ver isso aí de comer em restaurante chique e sair de carro importado na rua, porque é perigoso. Nesse último caso, quem “critica” a elite por não atentar para esse fator de risco só está, na verdade, se preocupando com um problema de gente rica: o medo de assalto. Quem é pobre o suficiente para não ter medo de assalto não está nem aí se a elite sai ostentando seus bens materiais – a não ser no sentido de que a ostentação torna mais óbvia a desigualdade social, mas o pobre não fica menos pobre se não tiver consciência da desigualdade. De qualquer modo, antes de condenar o rico, o pobre deseja tornar-se igual a ele (não vou entrar agora no juízo de certo ou errado quanto a esse desejo).

Se, por outro lado, o problema que se quer apontar é a falta de consciência política da elite paulista, que teoricamente favoreceria programas partidários insensíveis à distribuição de renda, o argumento também não convence. Se a elite é minoria numérica, seu posicionamento político não seria uma explicação suficiente para a constante vitória do PSDB e do DEM nas urnas, por exemplo. Não sou cientista política e tampouco tenho uma explicação adequada para isso, mas penso que se deve ter um pouco mais de cuidado quando se afirma categoricamente que a política paulista é “regida” pelos interesses da elite. O que se deve perguntar é por que esses programas partidários têm ganhado o apoio da maioria, não por que a elite vota neles – mesmo porque esperar algo diferente da high society seria completamente ilusório. O alvo da crítica passaria a ser, então, uma parcela maior da população, não apenas quem possui o privilégio de aparecer numa coluna social.

Talvez a versão mais aceitável da crítica seja a identificação de uma contradição inerente ao pensamento da elite, que quer ver o problema da violência resolvido mas não sai de sua bolha para compreender melhor o que gera a violência. Mas é preciso tomar cuidado para não transformar, de novo, esse diagnóstico numa discussão de problema de gente rica: se a elite é inapta a resolver seu medo de ser assaltada, se tem a infelicidade de viver num ambiente onde precisa sorrir porque está sendo filmada o tempo todo, bem, isso é problema dela. Só faz sentido criticar a inaptidão das socialites para entender as necessidades políticas do país na medida em que essa inaptidão tenha alguma repercussão negativa para o resto da população, não para elas próprias. De outro modo, acaba-se caindo num juízo moral discutível – monge em pele de socialista – de condenação da riqueza e do consumo, como se as pessoas consumistas, com suas vidas vazias, precisassem ser salvas de si mesmas.

Penso que misturar a questão do abismo social com a da desigualdade econômica acaba potencializando esse perigo de discutir problemas de gente rica e de negligenciar, portanto, os problemas da maioria da população. É claro que a falta de um mínimo de convivência e de reconhecimento entre as classes sociais está em certa medida relacionada à desigualdade econômica, mas identificar esses dois problemas como um só apenas abre caminho para “soluções” que não resolvem nenhum deles. A solução da desigualdade econômica não está na “tomada de consciência” da elite em relação ao outro – essa é uma questão de superar o abismo social, que não se deve apenas a questões econômicas, mas também à disseminação de preconceitos de toda ordem. Se a desigualdade econômica é tão profunda que impossibilita qualquer integração e colabora para que os preconceitos se multipliquem, ela reclama outros tipos de solução (que deixarei para os economistas proporem).

Em outras palavras, o preconceito e a falta de diálogo são menos causa do que sintoma. Prestar atenção apenas nos sintomas, como se eles fossem magicamente corrigíveis por alguma forma de iluminação moral, é a ingenuidade – ou hipocrisia – de preocupar-se apenas com problemas de gente rica, quando se pretende fazer o contrário.

Envie seu post para a Casa

A Casa dos Comuns não tem esse nome só por ser um trocadilho com a política britânica. Nossa proposta é falar do debate público e dos temas que o compõem, e esse debate não é possível sem o reconhecimento do que há de comum entre nós e vocês: a capacidade de desenvolver argumentos racionais e honestos.

Se essa crença é para alguns ingênua, para nós é a razão de ser do blog. Tampouco achamos que apenas expor nossos próprios pontos de vista é suficiente para a proposta do blog. Por isso, nosso espaço é aberto. Convidamos todos os leitores a colaborarem com as nossas discussões, enviando seus posts para a coluna Opinião de Quinta, que acontecerá às quintas-feiras.

Tem algum tema da esfera pública sobre o qual você anda querendo escrever? Alguma polêmica sobre a qual você quer se posicionar? Algum assunto que você acha que as pessoas esquecem injustamente de abordar? Alguém que você quer criticar (só cuidado com o ad hominem!), mas não sabe onde? A Casa dos Comuns também é sua.

Não há restrição de assunto nem de posicionamento político, moral, estético, religioso ou gastronômico. Recomendamos, porém, que você evite falácias lógicas e retóricas (esta tabela é um ótimo guia de como não escrever para a Casa dos Comuns) e procure adotar um estilo menos hermético-acadêmico e mais didático, tendo em vista que nem todos os leitores são da sua área. Pretendemos privilegiar posts que trazem questionamentos originais e opiniões fundadas, ou seja, que não se resumem a “eu acho isto porque acho isto”. Em outras palavras, a Casa dos Comuns não se contenta com respostas fáceis.

Procuraremos responder a todos os posts com nossas sugestões e avaliações. Para enviar o seu, é só mandar um e-mail para casadoscomunsblog [at] gmail.com.

Boa diversão!

Opinião de Quinta: A utilização do conhecimento como fundamento da Economia

Por André Bueno Rezende de Castro (Economia, FEA-USP)

O objetivo deste artigo é fazer um contraponto, fundado na interpretação hayekiana, à visão neoclássica do papel da informação nas decisões econômicas, mesmo ambas as visões sendo diretamente interrelacionadas com a função do sistema de preços. A teoria neoclássica – que poderia ser considerado o atual programa de pesquisa [1] mainstream da Economia – assume que possuímos todas as informações relevantes e que conhecemos todos os meios disponíveis, portanto o problema econômico que resta diz respeito puramente à lógica. A definição neoclássica (mainstream) de economia é que esta é a ciência que estuda a alocação eficiente dos recursos escassos.

Friedrich von Hayek nos diz que ao se partir de uma série de pressupostos razoavelmente fortes, como a economia neoclássica faz, incorremos no erro de controlar de tal forma as variáveis do problema de modo a forçarmos a obtenção da resposta que queríamos desde o início: poder-se-ia até mesmo chamar este tipo de metodologia como uma tortura de dados. Friso aqui que a culpa não é dos métodos estatísticos ou da matemática e todo este ferramental técnico que a Economia utiliza hoje em dia; o cerne do problema estaria, então, na forma como os problemas econômicos são abordados e nas hipóteses que muitos modelos econômicos assumem. E essa crítica engloba o tratamento neoclássico ao homo economicus, apesar de não ser a única forma de criticar esta caracterização do comportamento racional dos agentes econômicos.

O conhecimento está disperso na realidade – muitas vezes contraditoriamente –, nunca está na forma já selecionada e preparada para os agentes o usarem. Ou seja, o conhecimento não é objetivo, não é cognoscível como algo pronto para ser empregado nos problemas econômicos. Logo, o problema econômico fundamental da sociedade seria a utilização do conhecimento, que não é dado em sua totalidade, e não como fazer o uso mais eficiente dos recursos, que teriam importâncias relativas subjetivas. O problema não reside na avaliação dos retornos – que podem ser avaliados objetivamente – da aplicação de recursos em determinados fins, mas reside na definição dos propósitos desses fins. Em outras palavras, o problema econômico é como fazer o melhor uso dos recursos disponíveis para cada agente, cujos fins possuem importâncias intersubjetivas. Conclui-se que é fundamental para explicar o processo econômico saber como é comunicado para as pessoas o conhecimento necessário para que elas planejem, isto é, para que elas aloquem os seus recursos.

O conhecimento está disperso na realidade; nunca está na forma já selecionada e preparada para os agentes o usarem.

Para além de um problema de finalidade, Hayek identifica um problema metodológico: não é possível analisar fenômenos sociais como se analisam os fenômenos naturais. Vale dizer, a Economia não pode ser tratada como uma ciência física: não é possível estimar uma função de demanda agregada com o mesmo rigor científico e certeza com as quais se estima a velocidade instantânea de um objeto em movimento retilíneo uniforme. Modelar um problema, por exemplo, como os gastos em propaganda afetando a receita de uma empresa e vice-versa em um sistema de equações simultâneas estaria metodologicamente errado porque o conhecimento dos agentes é assumido como correspondente com os fatos objetivos da situação. Isso deixa de fora o crucial a ser explicado, isto é, a imperfeição do conhecimento humano e a consequente necessidade de determinar o processo pelo qual tal conhecimento é adquirido e transmitido.

Para determinar o melhor uso do conhecimento é preciso saber quem planeja: se uma autoridade central (todo o sistema econômico é dirigido por um plano), se as pessoas individualmente e descentralizadamente (competição perfeita) ou, o meio do caminho, se as indústrias de forma organizada (monopólio ou oligopólio). Neste respeito, primeiramente, Hayek aponta que o planejador central falha por usar a estatística como meio de análise do conhecimento: isso seria tão reducionista a ponto de ignorar diferenças fundamentais entre partes do conjunto de informações. Em segundo lugar, deve-se considerar que cada indivíduo está em uma posição privilegiada em relação a outro por ter informação única do benefício que certa combinação de alocação de recursos lhe gera. Cai por terra o princípio de informação simétrica que é essencial para garantir o funcionamento eficiente dos mercados. É metodologicamente incorreto supor que há informação completa e simetricamente distribuída entre os agentes, sendo que tal problema é justamente o cerne da investigação econômica.

Por fim, é o sistema de preços o responsável por coordenar a distribuição da informação entre os agentes econômicos. Não é preciso que cada indivíduo saiba toda a informação relevante para que ele aja – mesmo que esta informação seja apenas pouco importante. Quando o sistema de preços funciona desimpedidamente – sendo crucial que não haja rigidezes de preços e/ou falhas institucionais –, o todo (que é assumido tanto por Hayek quanto pelos neoclássicos como sendo a soma dos agentes) age como um mercado, visto que o conhecimento individual de cada um se sobrepõe, de modo a que as relações e as interações econômicas entre os agentes sirvam de intermediários na comunicação da informação a todos. O sistema de preços não é apenas necessário para que haja cálculo racional em uma sociedade complexa; não há sistema alternativo ao de preços que garanta ao indivíduo poder escolher os seus interesses e, consequentemente, poder dispor de seus próprios conhecimentos e habilidades neste intuito.

[1] Segundo uma concepção metodológica inspirada em LAKATOS, Imre. Falsification and the Methodology of Scientific Research Programmes. In: LAKATOS, Imre. MUSGRAVE, Alan. (eds.) Criticism and the Growth of Knowledge. London: Cambridge University Press, pp. 91-196, 1970.

A crítica da crítica da crítica da orkutização

São Paulo, 1995. Imagine uma criança de menos de dez anos, classe média-alta, que fuçava o primeiro PC dos pais nas horas vagas – que eram muitas. Imagine agora que você tem uma máquina do tempo e que seu Deus (seja ele Jeová ou Steve Jobs) lhe impôs a missão de explicar a essa criança em poucos minutos para que serve o Twitter.

A primeira resposta infantil que consigo imaginar, para essa hipotética explicação, é: “Então as pessoas usam o Twitter para reclamar de tudo?”

Sim, no fim das contas uma importante função do Twitter é reclamar das coisas, o que não significa necessariamente que seja uma ferramenta inútil: você pode reclamar do fato de que é segunda-feira, mas também pode reclamar do desvio de verbas públicas e organizar protestos potencialmente revolucionários (supondo que a liberdade de expressão seja respeitada no seu país e que seus amigos tuiteiros entendam o conceito de ativismo fora da internet).

Ultimamente tem aparecido com frequência um assunto com aparência de inutilidade, mas que esconde mais relevância do que normalmente se enxerga. Começou com alguns hipsters – os que acham que ser interessante é ser diferente de todo mundo, menos de quem é hipster igual a eles – que reclamaram e reclamam da popularização das redes sociais. Primeiro foi o Orkut, agora é o Instagram, e o conteúdo da reclamação é no fundo sempre o mesmo: “Que saco, vou ter que conviver online com gente pobre; não faço isso nem na vida real, por que tenho que aturar na internet?”

O “brega irônico”: um novo jeito indie de fingir que você só é brega porque está na moda.

Às vezes as reclamações ganham tons mais “políticos”, principalmente de quem se diz progressista mas tem vergonha de admitir que não gosta do que é popular: “Qual é o sentido de existir liberdade de expressão na internet se todo mundo é chato, conservador, diz coisas que eu não quero ler e não curte meus protestos dadaístas no Facebook? Ai, que gente sem cultura! No meu mundo ideal todo mundo leria Walter Benjamin no jardim de infância. Vou lá comprar um café gourmet do Starbucks pra ver se me animo.”

Então veio a onda de contraprotestos. Alexandre Matias chamou essa atitude de “reacionarismo barato”, algo que eu traduziria para a criança dos anos 90 como nariz empinado. Antes, Leonardo Sakamoto reclamou de seu amigo que achava que o povo brasileiro tinha que parar de ouvir tecnobrega e começar a ouvir só Chico Buarque – queridíssimo hors concours de todos os hipsters brasileiros, artista respeitável, mas, convenhamos, um ótimo exemplo de pasteurização (se esse adjetivo lhe parece eurocêntrico, bingo, você entendeu) do samba carioca pra inglês e brasileiro rico ouvir. Disse Sakamoto em seu protesto contra a “civilização pela cultura”:

Defender, propagar, incentivar as manifestações tradicionais é fundamental porque elas fazem parte de nossa identidade e ajudam a definir o brasil como Brasil. Mas sem desconsiderar as outras manifestações que ganharam visibilidade, também têm o seu valor e são queridas por muita gente.

Parece ser uma posição sensata, não? Na disputa Sakamoto e Matias versus A Irmandade do Nariz Altivo, os primeiros andam vencendo. Mas, já que estamos na Casa dos Comuns, o blog que não se contenta com vitórias fáceis, vou brincar de Marx e Engels antes do Manifesto Comunista (notem meu esforço para ser hipster) e reclamar das reclamações das reclamações.

É verdade que muita gente que critica a orkutização sofre de uma crise de identidade estética. Por um lado, tenta dizer para o mundo que não se importa com o que é popular: o bom e belo é o alternativo. Por outro lado, ao dar toda essa atenção à arte que consideram inferior (Michel Teló deve pensar todo dia: “falem mal, mas falem de mim”), só validam a impressão de que popularidade é uma medida possível para o valor estético. Do contrário, não precisariam se esforçar tanto para convencer as massas de que elas estão erradas!

Tudo bem, é feio e démodé ser hipster. Mas e a estética, morreu? Ninguém mais pode dizer que um Picasso é mais (ou menos!) belo que os zilhões de desenhos que as pessoas andam fazendo em seus smartphones? Você pode tentar fingir que não acha a Velha Guarda da Portela esteticamente superior a “Sou Foda”. Eu direi que você é hipócrita até que você me dê argumentos que não sejam “o belo é relativo”. (Exercício rápido: e quando o imitador da Bethânia canta “Sou Foda”? Isso muda alguma coisa?)

Vou escrever isto e correr o risco de que comecem a criticar meu texto antes de terminá-lo: o relativismo estético é uma falácia. O belo não decorre logicamente do que uma ou outra pessoa acha, ou mesmo do que uma multidão adora ou odeia. Existem critérios estéticos objetivos; ou, pelo menos, é possível atingir essa objetividade através de discussão. Porém, todavia, no entanto, dizer isso é diferente de dizer: I) que é certo gostar do que é belo e errado gostar do que não é belo; II) que os critérios estéticos dominantes numa certa comunidade estão certos.

O ponto I é uma presunção errada de quem critica a orkutização. Pressupõe-se que, se alguém gosta de algo, isso implica necessariamente que esse alguém valoriza esse algo como belo, e não por qualquer outro critério (como “eu gosto de ouvir funk proibidão porque ajuda a animar e relaxar a tensão”). Presume-se também que, se algo não é belo, as pessoas estão obrigadas a não gostar daquilo, sob pena de terem seus cérebros derretidos ou de serem ostracizados. Isso é bastante perceptível no tratamento da moda pela mídia: os critérios do que é belo são confundidos com o que você pode ou não usar. Separando essas duas esferas de avaliação, é possível abordar a moda criticamente sem cair na falácia do relativismo. Por exemplo, se eu quero usar uma calça que deixa meu traseiro saliente e se isso é considerado feio, eu não deveria ser socialmente discriminada por causa de um mero juízo estético. Isso não significa, por outro lado, que todas as roupas do mundo fiquem igualmente bonitas no meu corpo.

Não sou obrigada a imitar a Sarah Jessica Parker se ela usa um vestido feio.

Eu chamaria o ponto II de preguiça estética. Tem bastante a ver com o que o Wagner Artur escreveu ontem a respeito da normalização das diferenças raciais. O preguiçoso estético presume que, já que o relativismo é uma falácia, os critérios estéticos mais aceitos pela sociedade estão automaticamente certos. Portanto, não importa se a sociedade é racista, se a indústria da moda economiza tecido e ganha mais fazendo roupas para cabides e não para mulheres de verdade, ou se o funk é considerado música inferior porque é som de preto e de favelado. A falta de reflexão sobre quem e o que determina o belo acaba matando a estética e transformando-a em uma moral capenga – você deve ser mais branco, a fulana tem que ser mais magra. Porque “sempre e em todo lugar foi assim”, porque é “da natureza das coisas”.

O problema é que a crítica a esse tipo de posicionamento também é preguiçosa: diz-se que a beleza é relativa porque existem muitos critérios possíveis. Bem, existem muitos critérios possíveis para medir riqueza, mas dizer que o Brasil é rico porque tem muitas pessoas não ajuda a aumentar nosso PIB. Critérios servem a determinados propósitos: os estéticos deveriam servir apenas a um exercício intelectual honesto de apreciação da cultura humana, não à marginalização de indivíduos na sociedade.

Em outras palavras, não é necessário – é errado! – dizer que “o belo é relativo” para criticar padrões de beleza dominantes. Se você critica, presume-se que você quer apresentar outro critério do que é belo; talvez um critério mais inclusivo. E não há nada de errado em assumir que o seu critério é melhor do que aqueles mais aceitos pela sociedade. É apenas uma questão de honestidade intelectual; ou, como eu explicaria para a criança do passado, de evitar o nariz empinado e a preguiça.

Opinião de Quinta: É a economia, estúpido!

Prólogo da Casa: este post pertence a uma série colaborativa – a Opinião de Quinta – que estamos inaugurando hoje e que, para continuar, só depende da vontade de vocês, leitores. Já que este blog é uma homenagem ao espaço público, pretendemos publicar textos com argumentos sólidos – independentemente da posição defendida – para ampliar o leque de visões de mundo aqui retratadas. Como o nome da série sugere, os textos selecionados serão publicados às quintas-feiras. Em breve, postaremos mais informações sobre como participar.

Por André Castro (@brcandre)

O senso comum ecoa a tese de que os governos podem manipular as variáveis econômicas e, com isso, conseguir que a economia atinja o ponto que querem, sejam quais forem os seus objetivos. O ponto a ser discutido aqui é a seguinte questão: qual é o nível de controle que os governos têm sobre as economias nacionais? Uma das maiores influências sobre o voto em determinado candidato, legenda ou partido, principalmente para a Presidência, é a saúde da economia. Não é de hoje que se costuma recorrer ao chavão “É a economia, estúpido” para justificar por que um
governante não conseguiu ou conseguiu ser reeleito. Frequentemente se fala que certo governo “pouco fez” pelo crescimento e/ou que “relegou a indústria a um segundo plano”. Mas o que este mesmo governo poderia ter feito para que essas histórias fossem diferentes?

Na URSS, o PIB é quem determina o governo!

Por exemplo, poderíamos citar um meio de um governo intervir amplamente na economia: por meio da expansão da oferta monetária, a economia será irrigada com o dinheiro que o Banco Central usa para adquirir os títulos da dívida do governo, provocando um aumento da demanda pelos mesmos, e uma consequente queda da taxa de juros. O Banco Central do Brasil vem criando essa tendência desde o fim de 2011 como forma de estimular a economia e provocar uma menor atratividade externa aos investimentos no Brasil (pela taxa de juros menor), fazendo com que o país receba menos dólares e, portanto, a taxa de câmbio permanece desvalorizada, beneficiando, com isso, a indústria nacional (que pode faturar mais em suas exportações) – prega o mantra desenvolvimentista. Adicionando isso aos controles físicos de capitais e a algumas outras medidas macroprudenciais, temos uma situação na qual um governo tenta atingir um fim desejado (no caso em questão, maior crescimento econômico) mediante a adoção de certos meios (vale dizer, a política econômica).

Existe uma ampla discussão teórica sobre qual o objetivo das ciências econômicas, sendo que alguns autores postulam que o problema econômico fundamental da sociedade seria a utilização do conhecimento (em todas as suas formas, sejam teóricas ou técnicas), que nunca é dado sem sua totalidade: o conhecimento está disperso na realidade – às vezes contraditoriamente –, nunca está na forma já selecionada e preparada para os agentes usarem. Ademais, a própria realidade não existe em si, mas existe na percepção subjetiva que os agentes têm dela. O ponto a que quero chegar diz respeito ao questionamento proposto no começo: como acreditar que o governo é “senhor” de uma economia de mercado sabendo que o conhecimento e a realidade econômica são complexos e difusos demais para que um agente governamental – entendido aqui como um agente racional maximizador de uma função social sob restrições orçamentárias – os determine?

Trocando em miúdos, é ingênuo acreditar que o governo faz um país crescer. Quem o faz somos todos nós, membros da economia e da sociedade, participantes daquilo que se chama setor privado. O governo não gera riqueza per se, ele apenas redistribui a riqueza tirada de membros da sociedade para fins alternativos que ele julga – supostamente sob a legitimidade de seus cidadãos – serem socialmente superiores ao resultado de o dinheiro ser gasto privadamente: gerando educação, saúde, defesa nacional, obras e demais bens públicos. (Um contraponto a esta ideia seria a maior participação do Estado na economia que alguns países adotam, apesar de não ser um contraponto absoluto. Vide esta série de reportagens especiais da revista britânica The Economist.)

Claro que não é preciso recorrer ao extremo oposto, representado por Rick Santorum, ex-pré-candidato republicano às eleições americanas: “Eu não me importo com qual será a taxa de desemprego. Isso não me importa. Minha campanha não depende das taxas de desemprego e de crescimento econômico”. Depois o redneck afirma que os ditos “conservadores” acreditam que o governo não cria empregos, atacando o outro pré-candidato republicano Mitt Romney, que afirmara que sua experiência trará empregos para o americano. Cabe esclarecer que o conservadorismo americano está mais próximo do liberalismo econômico clássico, apesar de Santorum provavelmente não ter muita ideia do que seja isso.

Presumamos, portanto, que o governo tem um grande controle sobre as variáveis macroeconômicas de interesse. Mas este controle não é e não pode ser absoluto. Por fim, como em diversos casos, a verdade – que talvez não more num poço – está no meio do caminho: nem tanto ao mercado, nem tanto ao governo.

Arte de segunda (09/04)

Se vivêssemos numa distopia totalitária na qual os artistas formassem a cúpula do partido governista, a arte de rua provavelmente teria uma função bem definida: garantir que cada muro cinza em cada cidade tivesse uma explosão inesperada de cor. Nessa ditadura inusitada, o parisiense Christian Guemy, conhecido no meio como C215, seria indicado como um modelo a ser seguido. Seus retratos hipercoloridos homenageiam rostos anônimos da cidade e não parecem ser menos que exortações contra o monocromatismo, como se este fosse um verdadeiro crime a ser evitado e punido com máxima urgência. Depois de admirar o trabalho deste artista por alguns momentos, resta-nos respirar aliviados e lembrar que a arte de rua nada mais é do que uma celebração (ainda que efêmera) da nossa sempre precária liberdade.

Mais do trabalho de C215 pode ser visto aqui. As fotos acima foram retiradas da coleção do Street Art Utopia.

Quando a reafirmação de preconceitos se torna (ou não) subversão

A controvérsia recente sobre a ofensa dirigida ao músico Raphael Lopes pelo humorista Felipe Hamashi, no show “Proibidão” em São Paulo, merece uma pequena reflexão sobre como, mesmo após vinte e poucos anos de criminalização do racismo (por força da própria Constituição), a questão continua sendo tratada aos trancos e barrancos no Brasil.

Um parêntese necessário: antes que digam que o termo “ofensa” é muito parcial para o caso, que na verdade o que ocorreu foi uma piada, chamo a atenção para o nome do show: Proibidão. Os comediantes sabem que o conteúdo do show é feito de ofensas. Tanto que pediram que o público assinasse um termo com a promessa de que não se sentiria ofendido com nenhuma das piadas (embora, como apontado neste texto, seja um pouco estranho afirmar que você não se ofenderá com algo que ainda não ouviu). Fim do parêntese.

"Se você acha que ser comparado com o King Kong é ofensivo, problema seu."

Num mundo ideal, eu não estaria escrevendo mais um texto para adicionar à enorme pilha do que já foi produzido no Brasil sobre o problema do racismo. Portanto, numa tentativa de variar um pouco a abordagem da questão, chamo a atenção para o que está sendo dito lá fora: com a atenção do resto do mundo cada vez mais voltada para nós, é de se esperar que apareçam reportagens ressaltando não só as vitórias, mas também os desafios do país. Se uma revista como a Economist já falou da mal-agourada eleição para prefeito de São Paulo deste ano, é natural que também tenha se preocupado com um problema que nasceu bem antes de Piratininga se tornar megalópole.

Numa comparação interessante com a história dos Estados Unidos, este artigo da Economist sobre o racismo no Brasil afirma que os negros aqui são “neither separate nor equal“. Não é novidade que nosso racismo assume formas diferentes daquelas que caracterizam a barreira racial nos EUA. Mas, como bem ressaltado pelo artigo, já não podemos continuar a repetir o mito de que somos uma espécie de democracia racial e de que os negros só são discriminados por serem pobres. Até porque todos sabemos que pessoas como o músico que tocou no Proibidão não são exatamente pobres – pelo menos para os padrões brasileiros.

A eterna pergunta que se coloca é: qual o melhor jeito de remediar essa situação e de construir para o futuro uma sociedade em que haja verdadeira igualdade de oportunidades? Sabemos que as políticas de ação afirmativa são controversas: há estudiosos que apontam como desvantagem dessas políticas o fato de “criarem” categorias nas quais os brasileiros não estão acostumados a serem encaixados. Segundo esse argumento, não costumamos pensar em grupos de negros e brancos dividindo a sociedade brasileira, até porque há um grau considerável de miscigenação. Isso seria um ponto positivo da nossa sociedade, que seria minado pela necessária classificação das pessoas através de ações afirmativas.

Por outro lado, é difícil pensar como a manutenção do jeitinho brasileiro de lidar com as diferenças raciais teria o poder de mudar algo. O caso do Proibidão é um exemplo interessante porque mostra um tipo de raciocínio curioso (para não dizer tolo): a ideia de que fazer piadas ofensivas, que repetem preconceitos antigos mas ainda vivos, é de algum modo subversivo ou representa uma quebra de tabus, porque aparentemente a turma do politicamente correto criou um tabu de que não se pode chamar pessoas de macacos. (Colegas, não sei o que acontece na realidade paralela de vocês, mas na minha os tabus são coisas aceitas sem motivo, sem justificação. Ganha um chocolate quem me convencer de que não existe motivo para uma pessoa se ofender quando alguém a chama de macaco, ser de inteligência inferior – a não ser que essa pessoa seja ativista pelos direitos dos animais, o que, como se sabe, está longe de ser a maioria da população.)

Vamos refletir um pouco sobre isso para ver se entendemos: repetir um preconceito que a maioria das pessoas sabe que existe (só não quer assumir) e fingir que não há nenhum problema nisso é visto como subversivo. Se eu fosse um ser extraterrestre, caísse no Brasil e ouvisse isso de um humorista, acharia que existe uma ditadura negra no país. Afinal, pela ótica dos comediantes, parece que as pessoas não podem simplesmente negar que racismo seja um problema, que já são presas, caladas e queimadas na fogueira. Vale registrar que há quem critique seriamente o modo como o racismo é tratado no sistema penal brasileiro, desde o tipo da pena (reclusão, a mais severa das penas privativas de liberdade) até o fato de ser crime inafiançável (ou seja, se tiver sido decretada prisão preventiva – a que ocorre antes da condenação apenas para garantir o andamento do processo – não se pode evitá-la mediante o pagamento de fiança). Mas parece haver uma certa rebeldia sem cabimento na atitude de afirmar aquilo que todo mundo já sabe – que negros são vistos como inferiores – apenas para mostrar que você é cool e fingir que isso não é uma questão preocupante, para não entrar na onda cafona da turma do politicamente correto. Quando muito, esse tipo de piada-ofensa apenas faz com que as pessoas pensem: “Nossa, como ele é racista. Como ele é mau. Ainda bem que eu não sou assim.” Dá para ver nisso alguma grande quebra de tabus em relação ao que a maioria dos brasileiros já pensa?

Isso não quer dizer, é claro, que o racismo não possa ser objeto de humor. Contudo, se a intenção do comediante é fazer as pessoas avaliarem internamente seu próprio racismo, a elaboração de piadas mais inteligentes é um imperativo. Tampouco é a intenção aqui fazer apologia da censura. Para falar a verdade, não sei em que entrelinhas do texto alguém poderia enxergar uma defesa da censura dos shows de comédia. Mas, como tem gente que se esforça bastante nesse sentido, deixo aqui a lembrança de que censura prévia é proibida pela Constituição e de que a responsabilidade criminal pelo exercício da liberdade de expressão não equivale a censura, porque logicamente não impede que a pessoa fale o que queira – já que ocorre depois de ela ter dito o que queria. O sistema penal pode obviamente ser criticado, alternativas podem ser propostas, mas não é interessante nem justo misturar os conceitos de censura e de responsabilidade a posteriori. O problema maior não é a solução jurídica para esse tipo de caso, pois ela já é razoavelmente bem estabelecida (ainda que haja pontos questionáveis como o bizarro contrato de não-ofensa mencionado acima). O ponto que deve ser ressaltado é a falta de efetividade de uma corrente do humor nacional que se afirma como um convite à reflexão, quando na verdade essa reflexão só ocorre no sentido de espelhar nossa ancestral hipocrisia.

Arte de segunda (12/03)

Nossa nota de segunda volta-se a dois jovens artistas que colorem os muros do Irã, país não deixará de ser tema de discussão pública tão cedo e que é mais conhecido pelo cinema do que pela arte de rua. Naturais de Tabriz, Icy e Sot iniciaram sua carreira profissional em 2008.

Tabriz, Irã

Tabriz, Irã

Teerã, Irã

Teerã ou São Paulo?

Tabriz, Irã

Esta é em São Paulo mesmo!

Para os curiosos, há muito mais a ser espiado e apreciado no site da dupla.